A importância dos movimentos sociais

ADELA FIGUEROA PANISSE

(socia de amigos do patrimonio e doutros movimentos sociais)

Para As comadres

Queridas irmãs. Muito gosto de vos ter como companheiras nesta andaina nova da minha vida. Aliás, polo que tenho eu vivido, a vida renova a cada passo que damos. Nasce em cada cantinho em que nos refugiamos dos ventos que nos querem levar com os seus fortes soprares. Renasce em cada erva do inverno e em cada flor da primavera, ainda que esta vier sem nos pedir qualquer permissão. Como já dizia Pessoa, ela volta ainda que nós já cá nem estejamos com os nossos corpos físicos a ocupar o espaço. (Quando vier a primavera/ se eu já estiver morto/ as flores floriram de igual maneira…)
Mas, outramentres a opinião do Fernando, quer primaveras, invernos ou outonos, nós sempre ficamos por cá.

Eu venho hoje trazer para vocês, minhas comadres, este tópico de discussão. Os seres humanos sempre deixam pegadas do seu passar por esta Terra velha e bela. Pegadas que se perdem na noite dos tempos como essa fogueira acessa há mais de 180.000 anos, na cova de Eirós da aldeia de Vilar, no concelho de Triacastela, ou como a poesia do Fernando Pessoa que constata que a primavera vai chegar ainda que ele já não estiver vivo para a receber. Dos seres humanos ficam as suas maldades perversas e as suas bondades de generosidade para o comum do grupo ou para atender a aquele que sofre.
Fica a arte, a poesia e as fogueiras, apesar de quem, na sua teimosia tentar destrui-las.
Gene egoísta e gene altruísta, lutam em nós para conformar esta natureza de que estamos feitas, mulheres e homens. A compaixão e a caridade que nos levam a atender aos doentes, ou a partilhar nosso pão com quem não o tem, convivem em nós com as ânsias de dominação sobre outros seres humanos e com a insensibilidade perante o seu sofrimento. A insensata necessidade de acaparar riquezas que podiam estar repartidas para que todo o mundo as pudesse usufruir em igualdade, concorre com os movimentos de equidade e de justiça distributiva. Também humanos. Os movimentos de libertação das mulheres nascem das mesmas sociedades que as oprimem mal grau faça desta opressão norma de conduta e lei.

Venho de estar em Sárria escutando uma magnifica palestra de Luis Villares, magistrado juiz do Tribunal Superior de Xustiza de Galiza. O tema era o dos movimentos sociais: “O valor dos movimentos vizinhais numa democracia participativa”. A sua importância e o seu enquadramento legal.
Em Sárria está a acontecer algo realmente importante. A cidadania organizada na Plataforma pola defesa do rio, protesta em contra das atuações previstas para o encanamento do rio Sárria ao seu passo pola vila. Este encanamento, para além de desnaturalizar o rio, fazendo-o mais vulnerável às cheias e mermando as suas capacidades de dar vida, vai supor o derrubamento de varias pontes em que a historia de Sárria está escrita, que vão ser substituídas por uma feia e sem qualquer significado para a tradição estética da vila. Já é alcunhada de masseira pola sua forma discordante. Também vai produzir a desaparição do bosque de amieiros da ribeira, única sombra para o passeio do dique no verão, grandes inconvenientes para os comerciantes da zona, afetação do Caminho de Santiago e, ainda, fortes despesas de dinheiro público. Um grupo de cidadãos decidiu que o dinheiro público não deve ser desvalido. Ainda que vier da Europa, esse lugar longínquo, ainda que se ‘perda’ como diz o alcalde, se não se usar para estragar o rio Sarria.
O problema com os movimentos cidadãos é que precisam de muita energia, generosidade e persistência. Para além de organização para resultar minimamente eficazes. Os movimentos cidadãos mostram o vital duma sociedade e põem limites ao poder da classe política, for esta eleita ou ditatorial. Mas também põem a prova a madurez duma sociedade. Eles são o controlo necessário dos atos políticos no tempo entre duas eleições e limitam o excesso de poder das maiorias absolutas. Por isso os políticos não gostam deles. Mas por isso são tão necessários.

Uma sociedade com maturidade social, deveria ir educada desde a escola num espírito de responsabilidade e de liberdade que a fizer capaz de gerir o bem comum com eficácia, sem desgaste e com generosidade. Quem pretender governar sem críticas, apenas para os seus e para seu beneficio, refuga este gênero de movimentos e tenta sempre limitá-los ou proibi-los. Por isso elimina-se a matéria de Educação para a Cidadania, do sistema de ensino espanhol, necessária no aprendizado de normas, direitos e deveres dos cidadãos. Por isso se decreta uma lei que vai restringir todo tipo de manifestação pública de desacordo com o poder, a chamada LEI MORDAÇA. Por isso se mantém uma lei antiterrorista arbitrária e que vulnera os mais elementares direitos humanos. Porque o poder, nesta dualidade humana de anjos e demônios em que nascemos, sempre tem um objetivo: Perpetuar-se. Exercer-se. Manter-se. Transmitir-se, como o faz o gene egoísta. Num modelo de Darwinismo social em que só os mais fortes, os mais implacáveis os mais insensíveis e cruéis encontram mais facilidades para perpetuar-se. Só num esquema de crueldade se pode conceber a lei hipotecária de Espanha e a impassividade da classe política perante o despejamento de famílias botadas à rua na mais absoluta indefesão face aos todo-poderosos bancos. Só num esquema de estúpida ignorância pode acontecer um casso como o do Prestige em que um acidente for transformado em desastre pola incapacidade dum governo ausente.
Em ambos dous casos a cidadania cumpriu e saiu à rua. Mobilizaram os recursos de generosidade e o gene altruísta humano fez valer a sua capacidade de penetração no fenotipo do corpus social.
A mobilização é imprescindível como controlo do poder. Ainda sendo este nascido das urnas.
Nomeadamente agora, em que poder político e poder econômico confluem para acabar nas mesmas mãos. Num moderno Estado Feudal Universal.
O controlo do poder faz-se mais e mais indispensável. Deveriam ser mais doadas de conseguir, Iniciativas Legislativas Populares e de mais eficaz implementação. Orçamentos participativos, como indica a agenda 21 de administração local (aprovada por muitos governos locais) teriam de ser postos em prática. Referendos teriam de ser mais frequentes para a tomada de decisões que afetem ao comum da vizinhança. As maiorias absolutas têm de serem controladas e limitado o seu poder. E o ensino tem de ser urgentemente afetado nas suas metodologias para uma aprendizagem de uso e exercício da cidadania. Tomando esta a responsabilidade do bem comum. Temos de aprender a defender o nosso. E temos que fazer exercício responsável disso.